História

Vivian Zorzim

Uma decisão que foi além do currículo acadêmico Aquela sensação de depressão pós-férias já começava a bater quando ela entrou na área de desembarque do aeroporto. Foram 20 dias intensos aproveitando o melhor que Nova York (EUA) pode oferecer, desde os musicais da Broadway até os calmos passeios do Central Park. Após um ano de […]

Texto: Mairon Hothon

Uma decisão que foi além do currículo acadêmico

Aquela sensação de depressão pós-férias já começava a bater quando ela entrou na área de desembarque do aeroporto. Foram 20 dias intensos aproveitando o melhor que Nova York (EUA) pode oferecer, desde os musicais da Broadway até os calmos passeios do Central Park. Após um ano de trabalho intenso, como de costume, Vivian Zorzim aproveitou o período para passear, descansar e conhecer novos “ares”.

Independente financeiramente e com experiência profissional, a enfermeira levava uma vida um tanto “normal”, mas algo a incomodava, contudo, não sabia ainda o que era. Diferente das outras vezes, após àquelas férias de 2013, ela sentiu um incomodo de tudo que tinha vivido. A semana havia chegado ao final e lá estava ela na reunião de sexta à noite em sua igreja.

“E foi durante aquela reunião que eu me senti bem vazia, mesmo depois de ter feito uma viagem maravilhosa para a América. Enquanto o que podia relembrar era apenas das compras e dos lugares que conheci, o pastor durante o culto contava dos testemunhos de jovens que trocaram as férias por serviços à comunidade em outros países. Eles sim fizeram algo de relevante”, relembra.

Vivian saiu do recinto religioso incomodada, depois de tantos anos ensinando os princípios morais e éticos do bom enfermeiro, ela mesma achava que faltava algo em sua carreira profissional. Professora do curso de Enfermagem no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) desde 2009, ela sentiu o desejo de dar um “up” na vida e mesmo com um mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia, ela achava que precisava aprender ainda algo.

Passados alguns dias, enquanto aguardava o momento da aula na secretaria da faculdade, atendeu ao diretor do Instituto Base Gênesis, pastor Wallyson Santos, que de imediato a convidou para participar de uma missão voluntária na África. “Eu sempre ouvia muito das conhecidas missões que o Unasp proporcionava, mas nunca me envolvi diretamente, e quando o pastor Wallyson me convidou eu nem pensei direito e comprei minha passagem para Guiné-Bissau”, conta.

E foi a partir da decisão de passar 15 dias com pessoas desconhecidas, em lugares totalmente diferentes daqueles os quais estava acostumada que a fez passar pelas experiências mais marcantes da vida.

“Eu não tinha ideia do que eu iria fazer na África, eu só fui. Quando cheguei, vi uma realidade totalmente diferente de tudo que já tinha vivido. Eu vi de forma prática o valor da minha profissão e da minha religião, de levar aquilo que acredito de forma palpável às pessoas. E foi na manhã daquele primeiro sábado que prometi para Jesus e para mim mesma que não iria deixar de fazer aquilo nunca mais”, se emociona ao lembrar.

A partir daqui você conhece três relatos das experiências que a professora de Enfermagem do campus São Paulo passou em Guiné Bissau, um dos países mais pobres do mundo e que desde sua independência de Portugal, em 1974, devido à alta instabilidade política, não deixou nenhum presidente eleito completar um mandato sequer.

Os relatos a seguir não estão listados em sua ordem cronológica, todavia retratam algumas das vivências marcantes da professora Vivian Zorzin em seus trabalhos voluntários desde 2013, os quais guarda com muito carinho.

10 anos sem andar

Em uma missão de voluntariado, não necessariamente a pessoa que se dispõe a ir, vai atuar na área que desenvolve dia a dia, mas atuar naquilo que é mais urgente na comunidade local. Entre os serviços mais oferecidos está a de reforma de escolas e áreas públicas, templos religiosos, atendimentos e orientações em Saúde, aulas de reforço básico e programas evangelísticos. A palavra que os move é: disponibilidade.

Após um dia inteiro de atendimentos, Vivian ajudava à noite no culto da igreja, quando ao final do programa, o pastor pediu que ela o acompanhasse. Logo quando entraram no carro, o líder religioso disse logo: ‘Se prepara, porque hoje a coisa é feia, vamos visitar um menino que não anda há 10 anos’. Vivian achou aquilo uma loucura.

“Quando chegamos na casa do menino, encontrei uma situação de miséria humana. Um juvenil que se rastejava, com a boca toda ferida e o olho infeccionado, ele não conseguia abrir porque havia pus. As unhas estavam enormes e ele estava todo sujo. Respirei fundo, segurei às lagrimas e comecei a conversar com ele. Aos poucos fui limpando o olho afetado com lenço umedecido para tentar ao menos minimizar a situação”, relata.

O menino que Vivian cuidou não era cego, mas não conseguia abrir o olho por causa da sujeira, de uma infecção mal curada. Só dela ter limpado o olho, ele conseguiu abrir. No dia seguinte, ela e os outros voluntários voltaram ao local e fizeram uma faxina geral na residência. Enquanto uns limpavam, Vivian olhou para a mãe das crianças, que tem deficiência mental, sentou-se na porta de casa e começou a cortar a unha de todos da família.

“Naquele momento fiz uma reflexão: para quê Mestrado, Doutorado ou grandes títulos se muitas vezes o que transforma uma vida é sentar na porta da casa, conversar com a pessoa e ajudá-la a cortar a unha. Eu nunca me senti tão importante para alguém do que fazendo exatamente aquilo”, recorda.

Daquela casa, além da limpeza também ficaram doações de roupas, um colchão novo para o garoto dormir e mantimentos para o mês. Um ato de ajuda que também chegou a vila de Mansôa, considerada pela cultura local, uma terra de renegados da sociedade. Na comunidade, a nordeste da capital, Vivian conheceu o Negado que tinha apenas um sonho, ter um par de sapatos.

“O Negado é um menino lindo, olha só esse sorriso! Eu praticamente adotei o Negado, levava ele para todo canto, quando levei ele numa loja para comprar um sapato, ele não sabia qual a diferença entre tantos e pegou uma sandália, a mais colorida. Algo que para nós pode ser pouco, mas na vida deles faz a diferença. Só de ver aquele sorriso, já me deixou satisfeita”, detalha.

Braço quebrado

Histórias de superação e até “milagres” parecem ser comuns nas experiências de missão. Se para os que doam as férias, orientações de higiene são coisas simples e automáticas, para quem recebe são detalhes que fazem uma tremenda diferença e pode reverter quadros clínicos. Foi o que aconteceu na primeira viagem que da enfermeira adventista fez ao atender o caso do menino Ângelo, que havia quebrado o braço depois de uma partida de futebol. Como enfaixaram de forma errada, o osso havia calcificado torto.

Vivian que havia atendido esse caso, comentou com o pai que o garoto precisava de uma cirurgia, e que os voluntários não podiam fazer nada. O pai se sentindo culpado levou o filho em um curandeiro que quebrou novamente o braço atingido e enfaixou de forma errada. Ângelo havia sofrido uma síndrome compartimental (ou síndrome do compartimento), quando algum membro do corpo deixa de receber fluxo sanguíneo e morre.

“Quando levamos ao hospital, o médico disse que a única solução seria amputar o braço do Ângelo. O menino ficou desesperado e nós decidimos que iríamos cuidar dele lá na casa da missão mesmo. Por 15 dias ele dormiu com a gente e foi cuidado por todos. Eu cuidava com medicamentos de queimadura e analgésicos”, afirma.

O cuidado e carinho dos voluntários fez com que o corpo de Ângelo reagisse. Ao ser levado novamente ao hospital, ao final da quinzena, a equipe médica ficou surpresa com o que havia acontecido. O braço dele tinha sinais vitais e não precisa mais ser amputado. Com o auxílio do governo local, Ângelo conseguiu uma cirurgia de reparação do membro em Portugal. Ângelo foi “adotado” por um professor do Unasp que custeou a cirurgia plástica e pagou a fisioterapia dele, já que o menino ficou com a síndrome da mão em garra.

Adoção brasileira

Entre os benefícios de quem se envolve no voluntariado está o espírito de liderança e trabalho em equipe, sensibilidade, contatos interpessoais e conhecimento de outras culturas. Desde a primeira viagem, Vivian viveu muito de perto isso, o que a ajudou não apenas na carreira profissional, mas também no pessoal.

De todos os relatos, talvez esse que envolve uma adoção brasileira seja a que mais marcou a vida da professora paulista. Era julho de 2014, desta vez Vivian ajudava na triagem da fila para o atendimento na Feira de Saúde, quando as fichas já haviam encerrado e uma mulher insistia em ser atendida. Na língua nativa, o crioulo, a mulher, visivelmente desesperada, continuava com a mão estendida esperando uma ficha.

“Debaixo do braço daquela mulher, ela carregava a filha dela, um bebe de um mês totalmente desidratada e desnutrida. Quando peguei ela no colo, percebi que a menina pesava menos de 1 kg e já tinha um mês de vida, o que peso para uma bebe saudável deveria ser 3.8kg. Fiquei desesperada e corri para o atendimento médico, ela ia morrer”, ressalta.

Passado o susto, foi descoberto que a menina tinha um irmão gêmeo que havia ficado em casa. Culturalmente naquela sociedade, os homens têm mais valor do que as mulheres, e por isso a comida era servida primeiro para o filho homem e depois para a menina, por isso da situação crítica da criança. Ao todo, àquela mulher tinha oito filhos e havia contraído HIV, o pai era cego.

Segundo o último levantamento publicado pela organização Médicos Sem Fronteiras revelou que as regiões norte e oeste do continente africano registram média de uma a cada cinco novas infecções por HIV no mundo e uma a cada quatro mortes relacionadas à Aids.

“Quando vimos a situação da casa daquela família e da Sene, a bebe levada na Feira de Saúde, fizemos uma campanha nas redes sociais a fim de ajudar de alguma maneira. Conseguimos alguns padrinhos no Unasp, o que deu para supri-los com leite em pó, fraldas e arroz por seis meses”, enumera.

Mesmo depois de volta ao Brasil, a ligação com a Sene e o Sana, irmão da menina, continuou. A cada seis meses, quando o grupo voltava em missão ao país, uma parada obrigatória era na casa daquela família. A história chamou sensibilizou não apenas os envolvidos no projeto, mas também uma família da zona Sul de São Paulo que decidiu adotar o casal de irmãos.

“Eu ainda não tive coragem de ir ver às crianças no Brasil, acho que ainda não estou preparada emocionalmente para isso, mas sei que eles estão muito bem, acompanhei todo o processo de adoção. A salvação entrou naquela casa, por meio daquela criança que estava morrendo, foram dois anos de leite e alimento para a família inteira. Se era para eu ir à África por uma criança, valeu a pena”, afirma.

Destino certo

Hoje Vivian já tem destino certo em suas férias: fazer missão! Diferente da primeira vez que foi sem conhecer nada, hoje lidera as equipes e leva seus alunos que também desejam ter essa experiência. “O voluntariado não apenas traz ganhos pessoais, mas também profissionais, são ganhos que não encontramos em qualquer outra atividade e que fazem muita diferença no dia a dia da empresa”, ensina.

A mais recente pesquisa sobre voluntariado no Brasil revelou que apenas 3 em cada 10 brasileiros já realizaram alguma ação voluntária na vida, e 11% dos brasileiros realizam regularmente alguma atividade voluntária. São 16,4 milhões de pessoas que se doam – sem remuneração – em prol de alguma obra ou projeto. Um em cada quatro jovens faz ou já fez trabalho voluntário com o desejo de mudar o mundo. Os dados são da Rede Brasil Voluntário e Instituto Ibope.

No mercado de trabalho, o voluntariado conta muito na classificação do candidato. Para aqueles que querem conhecer um pouco mais sobre voluntariado, o Centro Universitário Adventista de São Paulo dispõe de centros especializados para treinamento e envio de estudantes e colaboradores em missões de curto prazo. Veja os centros de cada campus:

Campus São Paulo – Centro de Voluntariado Berndt Wolter. (Contatos: (011) 2128-6480 ou pelo e-mail: voluntariado.sp@ucb.org.br)

Campus Engenheiro Coelho – Núcleo de Missões e Crescimento de Igreja (Contatos: (019) 3858-9422 ou pelo e-mail: contato@numci.org)

Campus Hortolândia – Centro de Voluntariado J. N. Andrews (Contatos: (019) 2118-8026 ou pelo e-mail jetro.hortega@ucb.org.br)

Para desafios maiores e com maior duração de tempo, de dois a cinco anos, é possível se envolver com a Adventis Frontier Mission (AFM).

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